12 de outubro de 2020
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“[…]concede-me a vida – eis o meu pedido! -e a vida do meu povo – eis o meu desejo!” (Est 7,3)

Museu de Cera de Aparecida. Os três pescadores encontram a imagem da Virgem nas águas do Rio Paraíba.

Hoje é 12 de outubro! Para os católicos, dia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil. Dedico um tempo para refletir sobre esta data, no contexto sócio-político em que vivemos.

Estamos num contexto de pandemia, mesmo que “para alguns” isso parece não fazer diferença. Aliás, há pessoas que chegam a duvidar que exista mesmo “uma pandemia”! Ignorância por falta de conhecimento? Ou por falta de ética e sensibilidade comunitária e social? Não sei…!

Estamos também vivendo um 12 de outubro dentro de um contexto de “campanha eleitoral”. No próximo dia 15 de novembro acontecerão eleições municipais, onde serão escolhidos os novos prefeitos e vereadores dos municípios brasileiros. E estamos vendo aquilo que “já era um certo absurdo” em “tempos normais” acontecendo em “tempos de pandemia”: aglomerações, gritos, provocações, demonstrações de força e poder, a “torcida pelo meu lado”, etc… aquilo que você já sabe: o “quadro típico” de uma campanha “eleitoral” (?!).

Mas, o que tudo isso, padre, tem a ver com Nossa Senhora Aparecida?

Então, eu pensei numa das frases, da 1ª leitura da liturgia desse dia. Ela é proferida pela rainha Ester. Uma judia que encantou o rei da Pérsia, Xerxes.

Ester soube do plano do malvado Aman, primeiro ministro do rei, para destruir o povo judeu, os seus conterrâneos, que viviam exilados naquele país. O que ela faz? Vai ao encontro do rei para interceder “pela sua vida e a vida do seu povo”. Fiquei refletindo no exemplo dessa mulher. Pensou não apenas em si, mas no seu povo! Parece-me ser esta uma das principais características de alguém que deseja ser um “representante público”, de alguém que busca os votos da população.

O político, o verdadeiro e que faz jus ao nome, é alguém que “se preocupa com a pólis”, ou seja, com a cidade e seus cidadãos, como nos legaram os gregos, pais da democracia. O político é alguém inquietado pelas dores e sofrimentos dos seus conterrâneos, da sua gente. É alguém que por anos, pela sua vida, já demonstrou essa preocupação social e deseja ajudar mais sendo “representante público oficial”!

Mas, pergunto aos senhores e senhoras candidatos(as): como posso acreditar que estão mesmo preocupados com a vida do povo, colocando em risco o próprio povo em tempo de pandemia? Como posso confiar que a principal motivação que os leva a colocar seus nomes para serem escrutinados pela população seja de fato o “bem comum”, o “bem público”, quando já agora a “saúde pública” não parece ser uma prioridade?

Convido-vos a ler e reler a passagem da rainha Ester que hoje é a 1ª Leitura na Solenidade de Nossa Senhora da Conceição. O que é “a vida do povo”? Qual valor tem a “vida de uma população, de uma comunidade?” Qual o desejo de fato que move os senhores e senhoras?

Contudo, dirijo-me também a cada um dos eleitores. Cidadão é o nome que expressa uma condição. Alguém que reside, que interage, que constrói e participa dos destinos de um cidade, de uma comunidade? Parece-me que tal definição vai muito além de “um período eleitoral”, não? O que é participar, de fato? O que são os “direitos cidadãos”? E também os deveres? Em que medida, você e eu, nós, devemos também desejar “a vida do povo”? Estaria eu, agora, colaborando ou prejudicando a minha comunidade, os meus e os outros também, sendo displicente ou negligente para com o contexto de pandemia que atravessamos?

Termino, com outra frase da liturgia da Palavra desse dia. Agora é do Evangelho segundo João que narra o episódio conhecido como “Bodas de Caná” (Jo 2, 1-12). Numa festa de casamento estavam Jesus, seus discípulos e também a sua mãe. Em dado momento, sua mãe percebe que há algo errado: o vinho acabou! Mas, ela não percebeu que “o vinho acabou apenas na sua mesa”. Não! Não é uma percepção egoísta, muito comum em nossos dias de individualismo e de liberdade individual exacerbados.

O que Maria percebe é uma “carência comunitária”. Ela preocupa-se com o outro, com os outros. Então, estou pensando aqui, como é difícil, caro leitor e leitora, sairmos da lógica “da minha necessidade”, “do meu direito (ou privilégio) e descobrir o “senso social”. Como é difícil renunciar e ser obrigado a “não realizar ou satisfazer meus desejos imediatos” em vista de “recomendações sociais e para o bem da comunidade”. Como é difícil perceber que “ELES não têm mais vinho” (Jo 2,3)…! Acredito que também esta frase da liturgia de Nossa Senhora Aparecida possa ser muito propícia para este tempo de pandemia, para este momento de “campanha eleitoral “, os quais estamos vivenciando…

Compartilho com você estas minhas reflexões, na esperança que como sementes lançadas possam brotar. Minha missão, como pastor do Povo de Deus, é anunciar a Palavra “oportuna e inoportunamente”. Às vezes é difícil ter que acender uma “lamparina” e sair pelas ruas mesmo em pleno dia. Há escuridões tão difíceis de serem iluminadas… elas estão dentro e não fora…!

Que Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a Virgem Maria, que guardava todos os acontecimentos “meditando-os nos seu coração” (Lc 2, 51) nos ajude a exercer o discernimento, buscando a compreensão, a modificar conceitos e principalmente atitudes… Amém!