Ensina o evangelista Lucas que, ao iniciar sua vida pública, Jesus se fez batizar no Rio Jordão, por João, o Precursor. Ao descer Jesus às águas, algo sobrenatural se manifestou de forma inequívoca. O Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba e ouviu-se a voz do Pai que proclamou: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem querer” (cf Lc 3, 22).
Somos acostumados a ver o batismo como ato purificador, simbólico e eficaz. João batizava levando as pessoas a tomarem um bom banho nas águas do Jordão, após o qual se sentiam rejuvenescidas de seus cansaços e fortalecidas para tomarem novo caminho. O costume de batizar para significar tempo novo, limpeza da alma, purificação dos pecados não foi inventado por João Batista e nem por Jesus. Havia em seu tempo, comunidades como a de Qunran, cujos membros se batizavam todos os dias, buscando não somente a limpeza do corpo, mas o restabelecimento de pureza espiritual.
Porém, algo novo se dá no relato dos evangelistas sobre o batismo de Jesus. Ao mesmo tempo em que os evangelhos mostram que o Menino, nascido de Maria, em Belém, é o Filho de Deus feito homem, o Verbo Eterno que se fez carne, afirmam também que foi batizado por alguém que era pecador, embora fosse o Precursor. A narrativa da voz que veio do alto confirma a realidade divina de Cristo, destacando-o como Filho amado do Pai, sobre o qual estava o Espírito Santo.
A exegese católica, a ortodoxa e a protestante coincide na mesma crença, afirmando que a filiação divina de Cristo não é igual a filiação dos demais seres humanos, uma vez que Jesus é filho de Deus por natureza e nós o somos por adoção. Tal realidade nos é conferida por misericórdia do Pai, quando somos batizados, ocasião em que somos perdoados de todos os pecados cometidos até então. Portanto, o batismo de Cristo não tem caráter purificador para si mesmo, uma vez que não tinha pecados, mas se deu também por pura misericórdia do Pai que o faz descer às águas batismais carregando sobre si os pecados da humanidade e para nos indicar o caminho da graça a seguir no desenrolar da vida. Na cruz, ele vai levar às últimas consequências este gesto de misericórdia com o banho de seu sangue com o qual nos salvou.
Nas palavras de João Batista ao ser interrogado se ele próprio não seria o Messias, encontramos uma verdadeira profissão de fé por parte do Profeta do Jordão, indicando a superioridade de Cristo e demonstrando a diferença entre o seu batismo e o batismo cristão (cf. Lc 3, 16). Também nas palavras de João Batista, podemos observar os sinais evidentes da misericórdia, quando ele demonstra sua fé na bondade de Deus que há de dar o Espírito Santo, fogo purificador, a todo aquele que crer e humildemente se reconhecer pecador, necessitado da misericórdia de Deus.
No corrente ano o Papa Francisco nos propõe vivenciar, de forma intensa e contínua, a virtude da misericórdia, recordando que esta é a característica mais evidente dos batizados. Ele afirma: “A misericórdia é um outro nome do amor”. Poderíamos completar: a misericórdia é a forma concreta de se praticar o amor. Pelo batismo nos tornamos membros efetivos e afetivos da Igreja. Diz o Papa: “A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa” (MV 12). Mais adiante ele recorda: “Onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai” (MV idem).
Ao concluir o ciclo litúrgico do Natal com a festa do Batismo do Senhor, somos impelidos a viver no dia a dia a virtude da misericórdia, ao convite do próprio Cristo: “Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso” (Lc 6, 36), pois o batismo que recebemos é fonte de misericórdia.