9 de julho de 2024
Artigos

Carta da 47ª Romaria da Terra e das Águas

CPT Bahia

Bom Jesus da Lapa, 7 de julho de 2024

“Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra” (Am 8,4)

Entre os dias 05 e 07 de julho de 2024 reunidos com sete mil romeiros/as vindos/as das comunidades eclesiais, organizações pastorais, sociais e populares das dioceses do Centro-Oeste, Centro Norte, Sul, Extremo Sul, Sudoeste da Bahia, Norte e Nordeste de Minas Gerais, Sergipe e Espírito Santo celebramos em comunhão a 47ª Romaria da Terra e das Águas no município de Bom Jesus da Lapa. Foi sob o Tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum” e o lema “Farei uma nova aliança com meu povo” (Jer. 31, 31), que os/as romeiros/as foram acolhendas e acolhidos nesse encontro de irmãos. Inspirados pelas caminhadas de luta e resistência diversas dos povos, constituíram-se momentos de celebração, partilha, reflexão e saídas organizativas e políticas em favor da Casa Comum e dos direitos fundamentais do povo.

Na Gruta do Bom Jesus, território sagrado, habitado e significado desde o início pelos pobres, pela população negra e pelos povos indígenas, refletimos sobre o contexto social, político e econômico de nosso país. Constatamos a continuidade de um modelo de produção hegemônico capitalista, que se acumula na medida em que despeja e desapropria aos povos de seus territórios, e que produz na medida em que explora os povos, as terras e as águas até a exaustão. A memória a história e a solidariedade prestadas às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul durante a celebração de abertura da Romaria nos lembram que o colapso ambiental tem responsáveis e tem causas que precisam ser transformadas.

O avanço do agronegócio, do desmatamento, da mineração e dos negócios energéticos encontram apoio e subsídios do Estado, que age a serviço dos interesses do Capital e em detrimento da garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos e comunidades por seus territórios. Não existem sinais de compromisso do Estado com a proteção ambiental, com a política de Reforma Agrária ou com a regularização e titulação de territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A demarcação e proteção dos territórios indígenas continua praticamente paralisada e a Lei 14.701/2023, que instala de forma autoritária a tese do Marco Temporal, continua em vigor apesar de sua evidente inconstitucionalidade. Nos preocupa o surgimento de grupos como o Movimento Invasão Zero que provocam a insegurança nos territórios e alimentam a violência a partir da impunidade.

Por um lado, Governo e Congresso Nacional priorizam acordos sobre políticas de ajuste fiscal que permitem a continuidade da concentração da riqueza nas mãos de poucos e impedem o avanço na garantia de direitos sociais e políticas públicas fundamentais. Por outro lado, não há apoio e incentivo à organização e mobilização popular. Posições políticas e reacionárias de extrema-direita, sustentadas pelos poderes econômicos e pelo fundamentalismo religioso, avançam em nosso país e em outros lugares do mundo, comprometendo a garantia dos direitos humanos e a convivência democrática.

Diante desta realidade desafiadora, e à luz da memória de todas e todos os que tombaram na luta pela terra, pelas águas e pela vida, nós, romeiros e romeiras da 47ª Romaria da Terra e das Águas, reunidos em Plenarinhos, reafirmamos nosso compromisso com a vida e com os territórios. Fortalecendo a interação e o protagonismo das romeiras e romeiros, que sob o Olhar do Bom Jesus renovaram suas lutas, alimentando o esperançar, com o uso das diversas linguagens e de forma participativa construímos novos compromissos individuais e coletivos. Através da ludicidade e de atividades manuais com materiais reutilizados as crianças assumiram os compromissos de preservar o meio ambiente, não cortar as árvores, não desmatar as florestas, não jogar lixo no meio ambiente, não jogar veneno nos alimentos, preservar as águas, preservar o rio são Francisco e os três R: Reduzir, Reciclar e Reutilizar. No plenarinho das juventudes os compromissos foram de promover a cultura de acolhimento, fraternidade e respeito entre as juventudes diversas e construir subsídios para encontros de grupos vinculados a igreja, a fim de colaborar com a formação continuada dos grupos populares. Em Terra e Território, os compromissos ecoaram como um grito de Demarcação Já e contra o PL 709/2023 que criminaliza as ocupações rurais e urbanas, e de unir nossas lutas em defesa da titulação e regularização de todos os territórios e pela inconstitucionalidade da Lei 14.701/23, fortalecendo as iniciativas próprias das comunidades de proteção territorial e autodemarcação. No Plenarinho São Francisco e outras bacias os compromissos foram de fortalecer o diálogo com as universidades e articulação para incidência política: Demandar das instituições de ensino, pesquisa e extensão para melhorar a gestão dos bens naturais, como a água, e (Re) ocupar as representações populares nos conselhos das bacias hidrográficas. Já no Plenarinho de Fé e Política a partir da necessidade da ampliação de formação de lideranças e incidência política principalmente por conta da proximidade das eleições e avanço das notícias falsas e extrema direita que carregam em si um projeto de morte dos povos, comunidades e da Casa Comum, os compromissos assumidos foram: formação de lideranças jovens e comprometidas com a continuidade das lutas e da história e realização da Romaria da Terra e das Águas de Bom Jesus da Lapa e participar ativamente da política nos diferentes espaços da sociedade e junto ao povo, sendo Igreja comprometida com as causas populares – Participar da política institucional e nas bases – Encantar a Política.

Nessa Romaria, revigorados pela fortaleza ancestral dos Povos originários, das comunidades tradicionais, dos/as campesinos/as e das comunidades urbanas, saímos fortalecidos com a força libertadora do Cristo crucificado, do incentivo do Papa Francisco para que sejamos uma igreja sinodal e em saída que se compromete com o acolhimento às diversidades e o fortalecimento das ações ecumênicas e do diálogo interreligioso, já vivenciados nos territórios.

Provocados pela memória de tantos mártires da terra, especialmente das mulheres Nega Pataxó e Bernadete Pacífico, que nos inspiraram com sua força e compromisso com o território, seguimos exigindo justiça. Entendemos que a força vem do protagonismo dos Povos e comunidades que com autonomia tem um outro jeito de conviver com a natureza superando o modelo desumano, violento, excludente, degradador e acumulador do capitalismo que na sua constante crise nega a vida em plenitude. Seguiremos no nosso engajamento a partir das periferias reais e existenciais, fortalecendo as variadas formas de (re)existências e retomada dos territórios, ao passo que nos uniremos na luta pela demarcação, pela Reforma Agraria, pelo fortalecimento da agroecologia e por uma democracia popular.

Ao retomar o caminho de nossas casas, queremos conclamar a todas/os para continuarmos a construção do Reino de Deus a partir do trabalho com as bases rumo a uma sociedade sem excluídos, sem discriminação, racismo, patriarcalismo, com abundância “onde jorre leite e mel” (Ex. 33,3) – a terra sem males. Nos caminhos dos povos da Terra e das Águas, “o povo caminha para um novo céu e uma nova terra. A luta e a resistência são sinais de Ressurreição”.

“O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

Carlos Drummond de Andrade