5 de novembro de 2016
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[Artigo] Conflitos e verdades

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

"Buscar o bem comum há de ser fundamento para a formulação de juízos, escolhas e definição de prioridades."

“Buscar o bem comum há de ser fundamento para a formulação de juízos, escolhas e definição de prioridades.”

As dinâmicas de construção e manutenção da sociedade estão inseridas nas tensões entre conflitos e verdades, de modo semelhante ao que ocorre nas relações familiares e pessoais. Há uma dimensão do conflito que é inevitável porque a verdade não é propriedade exclusiva de alguém. Alcançá-la é sempre tarefa árdua, que abrange o exercício interpretativo da realidade a partir do confronto de interesses, ponderações e de prioridades.  Importante é reconhecer que as pessoas estão permanentemente em busca da verdade e, por isso mesmo, ninguém pode reivindicar a sua propriedade. Assim, exige-se muita humildade nessa procura para que se viva a experiência indispensável do diálogo, com a imprescindível abertura para a atenta escuta. Essa é condição fundamental para se alcançar a verdade capaz de garantir, acima de tudo, o bem e a justiça.

Os processos de definição de prioridades, particularmente aqueles que podem promover as mudanças necessárias na vida social e política do povo, são complexos. Assim, não basta agarrar-se a posições – dizendo-se ser contra ou a favor de algo -, é preciso dialogar para se aproximar da verdade. Trata-se de exercício racional e espiritual que requer redobrada atenção de todos, com o objetivo de superar conflitos que sempre se desdobram em prejuízos. Males que incluem as guerras, disputas ferrenhas pelo poder e as escolhas que privilegiam poucos, consolidando a injustiça contra os pobres. Nessa tarefa, indispensável é avaliar o lugar que se ocupa e, ao mesmo tempo, se perceber no lugar do outro, principalmente dos excluídos da sociedade. Ignorar essa atitude é perpetuar uma organização societária que desconsidera o abismo crescente entre ricos e pobres, os que podem muito e os que nada podem. 

Sem o processo dialogal e interpretativo, à luz de regras, leis, normas culturais e morais, continuarão a proliferar, em todas as regiões do mundo, conflitos motivados pela diferença entre povos, culturas e religiões. Buscar o bem comum há de ser fundamento para a formulação de juízos, escolhas e definição de prioridades. Para isso, exige-se o reconhecimento de barreiras psicológico-afetivas e de tantas outras, fundamentadas nas visões de mundo individuais, e superá-las com o objetivo de se alcançar o bem maior. Constituem-se grandes obstáculos, na busca pela verdade, os conflitos que advêm do âmbito da política partidária, eivado por projetos de poder que, quase sempre, se alicerçam no interesse individual, familiar ou de pequenas oligarquias. Esse contexto do ambiente político traz consequências graves, pois favorece a perda de foco e de clarividência na identificação do que, de fato, merece ser prioridade. Não raramente, induz a um tipo de visão que se restringe ao “retrovisor”, desconsiderando a amplitude de todo o “painel”.

Consolida-se, assim, a perversa dinâmica que gera a elitização, uma enfermidade verificada em diferentes áreas – inclusive na religiosa – que se torna ainda mais grave quando é acompanhada pela mediocridade. A mediocridade, ao emoldurar a vida das pessoas, inviabiliza o surgimento de novos líderes capacitados para conduzir a sociedade, as instituições e seus funcionamentos rumo a horizontes mais promissores. O planeta sofre com as consequências, que incluem o crescimento do ódio entre as pessoas, cenários desoladores marcados pelo grande contingente de refugiados, de pessoas famintas e amedrontadas. Somente as dimensões técnica e tecnológica não bastam para superar tudo isso. É necessário um novo passo que exige a construção – pessoal e coletiva – de uma envergadura espiritual, humana e moral: a competência humanística.

Essa competência é alicerce para avanços, vetor determinante nos diálogos que geram entendimentos e promovem a sensibilidade social – fortalecendo a solidariedade entre pessoas, povos e nações.  Também possibilita a permanente autocrítica, tarefa que dissipa as escolas alimentadoras de arcaísmos políticos, religiosos e de tantas outras naturezas. Por isso mesmo, deve ser sempre prioridade o investimento, de muitas formas e por parte de todos os segmentos da sociedade, no cultivo de uma sensibilidade capaz de superar selvagerias e indiferenças.

Desconsiderar essa urgência levará a sociedade a conviver com gente desempenhando papéis que não são seus, sem competência, multiplicando desorientações. E no lugar dos diálogos, haverá sempre arenas de gladiadores que derramam até suas últimas gotas de sangue.

Maior que a crise financeira, política e tantas outras é a crise humanística, fruto da carência de nobres valores, a exemplo dos que são partilhados no Evangelho de Jesus Cristo. As consequências são oportunidades perdidas em um contexto de grandes desenvolvimentos alicerçados na inteligência humana. Todos devem cultivar, inadiavelmente, a competência humanística para superar conflitos e reconhecer a verdade. Assim, será possível viver um tempo novo na história da civilização.