“Sem densidade para ancorar cidadanias, a cultura contemporânea torna-se incapaz de sustentar processos nos parâmetros da justiça”
O desafio de aproximar-se da luz é apresentado por Jesus no contexto de seu diálogo com Nicodemos, quando o Mestre indica a necessidade de nascer novamente. Nicodemos até pergunta, curioso, como é possÃvel alguém nascer de novo se já é velho. A possibilidade desse recomeço, indica Jesus, depende de coragem e de disposição para se aproximar da luz, indiscutÃvel referência a uma fonte inesgotável de valores morais e éticos. No diálogo entre Jesus e Nicodemos, o Mestre afirma categoricamente que quem pratica o mal odeia a luz porque não quer que as obras más sejam denunciadas. Renascer ou recomeçar é ter coragem de aproximar-se da luz para que seus raios iluminem as trevas. Para isso, é preciso buscar a verdade que liberta.Â
Hoje essa procura é urgente diante da gravÃssima crise de valores. Clara é a convicção de que não se dará rumo novo à sociedade se não houver vigoroso investimento em energias morais. A cultura do descartável justifica certa permissividade de só considerar como aceitável o que proporciona satisfação imediata. As instituições, como escolas, igrejas, Estado e famÃlia, são substituÃdas por outras referências na regulação moral e ética. Torna-se cada vez maior a sedução provocada pelo dinheiro, idolatria que arrebata e corrompe lÃderes polÃticos, construtores da sociedade, cidadãos. Isso provoca decepções diante da descoberta de inverdades dos que mostram uma face e, na realidade, têm outra, oposta à quela inicialmente apresentada. As relações econômicas incidem forte e determinantemente na subjetividade e, assim, a hegemonia da posse e do consumo obscurece consciências, produz uma visão de mundo equivocada e pouco humanÃstica. Com isso, gostos absurdos, incompetências e polarizações expulsam dos cenários sociais e polÃticos figuras merecedoras de confiança.
Sem densidade para ancorar cidadanias, a cultura contemporânea torna-se incapaz de sustentar processos nos parâmetros da justiça, nos horizontes da solidariedade e da verdade.  Prevalece a ditadura de opiniões pouco fundamentadas. São buscadas saÃdas a partir da abominável execração do outro, ápice da imoralidade e da falta de ética. Verifica-se falta de alicerce para a prática polÃtica, essencial na sociedade. Sem conseguir cumprir a sua missão, a ação polÃtica torna-se palco de comércios, barganhas, meio para usufruir do dinheiro público. Os males que sustentam as crises precisam ser conhecidos e tratados adequadamente para debelar seus efeitos nocivos. Uma polÃtica sem qualidades humanÃsticas e cidadãs corrói, vergonhosamente, os direitos sociais. O respeito a esses direitos e conquistas deve ser parâmetro para avaliar a correção dos exercÃcios partidários e da cidadania em geral.
A desconsideração dessa referência explica o sucateamento de campos estratégicos, como educação e infraestrutura. Também influencia no crescimento da violência, particularmente entre os jovens, e na produção vergonhosa de uma multidão de pobres e de excluÃdos. A corrupção converte-se em nefasta cultura. Constata-se a sua presença não apenas no âmbito da polÃtica, mas em práticas religiosas, nas famÃlias, no mundo do trabalho. Significativos e lamentáveis são também os pequenos atos da vida cotidiana que corroem as relações sociais, enfraquecem instituições e fragilizam lÃderes. É urgente investir na ética.
Para trilhar esse caminho, prioritário é cultivar na consciência o compromisso de se buscar o bem comum e o exercÃcio da solidariedade. Deve-se investir no diálogo, superar a tendência de se iludir, pensando que a simples execração do outro é suficiente para encontrar saÃdas para as crises. É hora da ousadia de buscar a comunhão e, por atos de magnanimidade, fazer das diferenças uma grande riqueza. A participação em um processo assim, antes e acima de tudo, inclui a coragem de aceitar e assumir, na própria conduta, a tarefa de aproximar-se da luz.