26 de abril de 2016
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[ARTIGO] Aproximar-se da luz

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte - MG

"Sem densidade para ancorar cidadanias, a cultura contemporânea torna-se incapaz de sustentar processos nos parâmetros da justiça"

“Sem densidade para ancorar cidadanias, a cultura contemporânea torna-se incapaz de sustentar processos nos parâmetros da justiça”

O desafio de aproximar-se da luz é apresentado por Jesus no contexto de seu diálogo com Nicodemos, quando o Mestre indica a necessidade de nascer novamente. Nicodemos até pergunta, curioso, como é possível alguém nascer de novo se já é velho. A possibilidade desse recomeço, indica Jesus, depende de coragem e de disposição para se aproximar da luz, indiscutível referência a uma fonte inesgotável de valores morais e éticos. No diálogo entre Jesus e Nicodemos, o Mestre afirma categoricamente que quem pratica o mal odeia a luz porque não quer que as obras más sejam denunciadas. Renascer ou recomeçar é ter coragem de aproximar-se da luz para que seus raios iluminem as trevas. Para isso, é preciso buscar a verdade que liberta. 

Hoje essa procura é urgente diante da gravíssima crise de valores. Clara é a convicção de que não se dará rumo novo à sociedade se não houver vigoroso investimento em energias morais. A cultura do descartável justifica certa permissividade de só considerar como aceitável o que proporciona satisfação imediata. As instituições, como escolas, igrejas, Estado e família, são substituídas por outras referências na regulação moral e ética. Torna-se cada vez maior a sedução provocada pelo dinheiro, idolatria que arrebata e corrompe líderes políticos, construtores da sociedade, cidadãos. Isso provoca decepções diante da descoberta de inverdades dos que mostram uma face e, na realidade, têm outra, oposta àquela inicialmente apresentada. As relações econômicas incidem forte e determinantemente na subjetividade e, assim, a hegemonia da posse e do consumo obscurece consciências, produz uma visão de mundo equivocada e pouco humanística. Com isso, gostos absurdos, incompetências e polarizações expulsam dos cenários sociais e políticos figuras merecedoras de confiança.

Sem densidade para ancorar cidadanias, a cultura contemporânea torna-se incapaz de sustentar processos nos parâmetros da justiça, nos horizontes da solidariedade e da verdade.  Prevalece a ditadura de opiniões pouco fundamentadas. São buscadas saídas a partir da abominável execração do outro, ápice da imoralidade e da falta de ética. Verifica-se falta de alicerce para a prática política, essencial na sociedade. Sem conseguir cumprir a sua missão, a ação política torna-se palco de comércios, barganhas, meio para usufruir do dinheiro público. Os males que sustentam as crises precisam ser conhecidos e tratados adequadamente para debelar seus efeitos nocivos. Uma política sem qualidades humanísticas e cidadãs corrói, vergonhosamente, os direitos sociais. O respeito a esses direitos e conquistas deve ser parâmetro para avaliar a correção dos exercícios partidários e da cidadania em geral.

A desconsideração dessa referência explica o sucateamento de campos estratégicos, como educação e infraestrutura. Também influencia no crescimento da violência, particularmente entre os jovens, e na produção vergonhosa de uma multidão de pobres e de excluídos. A corrupção converte-se em nefasta cultura. Constata-se a sua presença não apenas no âmbito da política, mas em práticas religiosas, nas famílias, no mundo do trabalho. Significativos e lamentáveis são também os pequenos atos da vida cotidiana que corroem as relações sociais, enfraquecem instituições e fragilizam líderes. É urgente investir na ética.

Para trilhar esse caminho, prioritário é cultivar na consciência o compromisso de se buscar o bem comum e o exercício da solidariedade. Deve-se investir no diálogo, superar a tendência de se iludir, pensando que a simples execração do outro é suficiente para encontrar saídas para as crises. É hora da ousadia de buscar a comunhão e, por atos de magnanimidade, fazer das diferenças uma grande riqueza. A participação em um processo assim, antes e acima de tudo, inclui a coragem de aceitar e assumir, na própria conduta, a tarefa de aproximar-se da luz.