Nos últimos dias acompanhamos as notícias sobre o falecimento do Papa Francisco. Também sobre os ritos e procedimentos previstos pela Igreja para a ocasião. Envolvidos pelo sentimento de tristeza, saudades e também de muitas rememorações com gratidão pelo seu pontificado, marcado principalmente pelos gestos de proximidade, humanidade e misericórdia evangélica, vivemos o seu sepultamento e o luto (novendiali). Os cardeais já realizaram as “Congregações Gerais” e agora entram para o Conclave onde elegerão o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma e Papa da Igreja Católica. Nesses dias também lembrei do Mons. Adhemar Cardoso Neves, um dos padres do Clero da Diocese de Caetité. Mons. Adhemar, Pe. Dema ou mesmo “Dema”, como é tratado por muitos – o que não é nenhum demérito para a sua pessoa – conta hoje com 93 anos de idade e 67 anos de padre! Sim! Isso mesmo! E continua celebrando, ainda que com as limitações próprias do seu estado, sendo um dos assistentes pastorais na Paróquia Senhora Sant’Ana (Catedral). Fui ordenado diácono na “Festa Vocacional”, em 21/07/2017, quando o Mons. Adhemar completava 50 anos de ordenação presbiteral! Foi ele também que assistiu ao matrimônio dos meus pais, na Igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus de Caculé-BA, em 14/05/1970. Tantas vezes escutou minha confissão com muita disponibilidade e misericórdia. E, com ele, fui um dos confessores do Seminário Diocesano São José, em Caetité. Sempre muito presente nos encontros, momentos celebrativos diocesanos e no Passeio do Clero!
Resolvi enviar-lhe uma mensagem via WhatsApp na última quarta-feira, dia 23/04, onde recordei que ele estava indo “rumo ao 9º papa” na sua trajetória de vida. Sim! O Mons. Adhemar nasceu em 1931, quando o papa era Pio XI. Na morte desse papa e na eleição do Papa Pio XII, Mons. Adhemar era um menino nos seus 7 anos. E seria ordenado padre, ainda quando Pio XII era o papa, em 1957. Como padre, o Mons. Adhemar viu e acompanhou os pontificados de João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e, agora, Francisco!
Nas minhas reflexões, trago o exemplo do Mons. Adhemar para esse momento de Sé Vacante da nossa Igreja universal. O Mons. Adhemar viu e acompanhou 8 pontificados! Com certeza teve que aprender muito, tendo em vista de ter sido ordenado ainda antes do Concílio Vaticano II, o que implicava celebrar em latim e onde o padre realizava “as desobrigas” que eram as visitas para celebrar nos “pontos de missas” da sua freguesia. Naquela ocasião realizava a “sacramentalização” para os fiéis, o que basicamente era a pastoral ou, como era chamado, o “apostolado” de então. Ele tantas vezes teve que sair da cidade-sede da sua paróquia e se deslocou no lombo de um cavalo para fazer um percurso que podia durar até quase um mês. Teve que adaptar-se às mudanças litúrgicas, renovação pastoral, bem como, acompanhar as mudanças socioculturais da realidade do mundo e, especificamente, do sertão. O Mons. Adhemar também conviveu com oito dos nove bispos diocesanos de Caetité e, muitas vezes, bem próximo, como o secretário do Bispado, vendo também os reflexos dos desafios e mudanças na nossa Igreja particular.
A figura de um padre que viu e experimentou em sua própria vida ministerial os desafios dessas últimas seis décadas do Catolicismo e também da sociedade e, principalmente pelo modo como o Mons. Adhemar testemunha seu caminhar de cristão e de ministro ordenado hoje, me coloca numa atitude de muita tranquilidade e confiança para este momento histórico na nossa Igreja.
Enquanto novas gerações estão buscando seguranças num passado em que, supostamente, era tudo muito seguro e sem problemas; enquanto muitos acham que a “solução para a crise da Igreja” está lá, nesse “passado idealizado” e, portanto, refugiam-se, voltando a “fecharem-se na sala com medo…” – uma menção aos primeiros discípulos antes da experiência com o Ressuscitado – ou enquanto alguns outros, num arroubo, simplesmente acham que a Igreja tem mesmo é que aceitar tudo que é “considerado moderno” porque é melhor, eu vejo um padre que caminha, ainda que trôpego, com muito senso de humor e sabedoria, repetindo seu jargão: “Se já vi antes, não me lembro…” talvez para mostrar certo espanto, mas quem sabe também certa abertura para o que acontece agora, no dia-a-dia, do povo…
Um padre que foi testemunha ocular de uma Igreja que presente na história, também se faz história, procurando escutar os apelos e as urgências de cada tempo ou, como nos ensinou o Concílio Vaticano, aprendendo a “escutar e interpretar os sinais dos tempos” para ser fiel ao mandato evangélico de anunciar o Evangelho e testemunhar o Cristo aos homens e mulheres em “suas alegrias e esperanças, em suas tristezas e angústias”…
Ahh…! Logo depois da mensagem que enviei, o Mons. Adhemar me fez uma ligação via WhatsApp – sim, ele também “está conectado!” – e me perguntou como seria agora com a morte do papa. Eu relatei a ele algumas das notícias que tinha acompanhado. E até compartilhei algumas delas!
Na figura do Mons. Adhemar, meu irmão mais velho no presbitério da Diocese de Caetité, acalmo meu coração e embebo de confiança compreendendo sempre mais que “a Tradição [da Igreja] é uma realidade viva; e somente uma visão parcial pode conceber o «depósito da fé» como algo de estático. A Palavra de Deus não pode ser conservada em naftalina, como se se tratasse de uma velha coberta que é preciso proteger da traça! Não. A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, sempre viva, que progride e cresce, porque tende para uma perfeição que os homens não podem deter […] Deus que, «muitas vezes e de muitos modos, falou aos nossos pais, nos tempos antigos» (Heb 1, 1), «dialoga sem interrupção com a esposa do seu amado Filho» (Dei Verbum, 8). E nós somos chamados a assumir esta voz com uma atitude de «religiosa escuta» (ibid., 1), para permitir que a nossa existência eclesial progrida, com o mesmo entusiasmo dos primórdios, rumo aos novos horizontes que o Senhor pretende fazer-nos alcançar.” (Papa Francisco, in. Discurso para a ocasião do 25° Aniversário do Catecismo da Igreja Católica, 11/09/2017) Rumo ao 9° papa, não é Mons. Adhemar? Vamos…e com confiança!
Pe. Eutrópio Aécio de Carvalho Souza
Belo Horizonte-MG, madrugada do dia 07/05/2025