A Igreja, desde os primeiros tempos, vem cultivando com grande piedade a memória dos defuntos e oferecendo por eles seus sufrágios. Especialmente no dia 2 de novembro, Dia de Finados, o portal da CNBB realizou uma entrevista exclusiva com o presidente da Comissão para a Liturgia, dom Armando Bucciol. Ele enfatizou que a ocasião é propícia para um dia de oração, de homenagem cristã aos entes queridos falecidos, e também, um dia de reflexão sobre o mistério da morte e da ressurreição de Jesus Cristo.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
O dia de Finados deve ser um dia de oração, de homenagem cristã aos nossos antes queridos falecidos?
O culto aos mortos, desde a antiguidade, faz parte de uma longa tradição junto aos povos. Caldeus e egípcios, gregos e romanos – o ambiente onde o cristianismo moveu seus primeiros passos – já celebravam com especiais liturgias esse culto. Os hebreus, como documenta o II livro dos Macabeus (12,43-46), na metade do segundo século antes de Cristo, também acreditavam na possibilidade que as culpas dos mortos pudessem ser purificadas pelas orações dos vivos. Portanto, as raízes do que nós hoje fazemos têm longa história, religiosa e cultural. O cristianismo, aos poucos, acolheu essas tradições, também se dentro de uma visão diferente. Ao longo dos séculos, mudaram as expressões exteriores e as datas dessa comemoração comunitária dos falecidos, mas guardando os antigos costumes e, a Igreja sempre procurou iluminar o mistério da morte com a luz da fé em Cristo vencedor da morte. Temos documentos certos que, ao longo do II século depois de Cristo, na Igreja existe o costume de orar pelos falecidos, e interceder por eles, sobretudo por meio da celebração da Eucaristia. Neste período, em Roma já existe o cortejo dos defuntos até ao cemitério, criando um forte impacto na cultura romana, ao ponto que o imperador Juliano (o apóstata) o proibiu.
Este dia é também de reflexão sobre o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo?
Com certeza, o que caracteriza este dia na visão cristã é a reflexão sobre o mistério pascal de Cristo. A Constituição Sacrosanctum Concilium (1963) escrevia: “O rito das Exéquias deve expressar mais claramente o sentido pascal da morte Cristã, e corresponder melhor às condições e tradições de cada região” (SC 81). Toda a reforma litúrgica encontra seu eixo unificador no mistério pascal de Cristo, isto é, em sua morte e ressurreição. A luz da vitória de Jesus sobre a morte é a grande mensagem que a Igreja repete. Por isso, neste dia em que ‘comemoramos os fiéis defuntos’ numa única celebração, é preciso que resplandeça, nas mentes e corações dos fiéis, o que afirma a oração depois da comunhão: “Alimentados pelo Corpo e Sangue do vosso Filho, que por nós morrei e ressuscitou, nós vos pedimos, ó Deus, em favor dos nossos irmãos e irmãs falecidos a fim de que, purificados pelos mistérios pascais, se alegrem com a futura ressurreição”.
Neste dia, em específico, muitas pessoas ofertam flores, velas e fazem visitas aos cemitérios. Essas atitudes são corretas? Qual seria o melhor presente que se pode oferecer aos falecidos?
Oferecer uma flor é gesto delicado e repleto de simbolismo; quero dizer para alguém: “Eu amo você; você é importante para mim”. Isso entre vivos. Depositar uma flor no túmulo de um ente querido que nos deixou, expressa esse sentimento que a morte não apagou. Acender uma vela, também, pode manifestar o que as palavras não conseguem: “Você foi luz na minha vida, luz que a morte não apagou”, ou, como afirma a liturgia (antífona da entrada): “Brilhe para eles a vossa luz’. Os gestos que a gente faz são repletos do sentido que cada um dá; o que mais vale é vivê-los ‘de dentro’ do nosso ser, e deixar os sentimentos fluírem com sinceridade e plena humanidade. Então, a visita ao cemitério se torna preciosa oportunidade para manter viva uma presença, cultuar a memória, alimentar a fé na vida que não morre. Pronunciar do mais íntimo do nosso coração uma prece pelos nossos falecidos torna-se expressão de fé e de união em Cristo, naquela ‘comunhão dos Santos’ que professamos no Creio; isto é, a íntima e profunda comunhão que une, em Deus, todos os que nele depositam sua esperança. Então, não só os falecidos recebem o nosso ‘presente’; eles nos presenteiam com sua presença, e nos estimulam a uma vida mais autêntica e repleta de amor e fé.