No dia 10 de fevereiro, com a celebração da quarta-feira de cinzas e abertura da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016, com o tema “Casa Comum: nossa responsabilidade” e o lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24) iniciamos uma peregrinação de quarenta dias, isto é, a quaresma. Tempo de revisão, reflexão e conversão nos preparando para celebrar com todo afinco o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. No entanto, uma questão nos instiga: o que é mesmo ressurreição?
Recorramos ao dicionário Aurélio de Holanda (2007), e ele responde que ressurreição é o ato ou efeito de ressurgir ou ressuscitar. Ao descrever sobre o verbo ressuscitar diz que nada mais é, senão,fazer voltar à vida; dar nova existência a; fazer reaparecer; tornar a viver, após ter morrido. Como entender tudo isto? Onde está o sentido desta nova existência?
Cantamos, em nossas comunidades, que “a Palavra de Deus não passa por nós sem deixar um sinal”, ou seja, o sentido. Então, ao visitar os evangelhos sinóticos (Mt 28 1-10; Mc 16, 1-8; Lc 24, 1-12), e o evangelho joanino (20, 1-10), encontramos os relatos da ressurreição de Jesus Cristo. Dessa leitura, começa a surgir para nós uma luz, ressurreição de Jesus Cristo, que vai dizer ao centurião Nicodemos de que verdadeiramente Ele é o Filho de Deus. Surge, assim, mais hipótese, a ideia da ressurreição como ação de Deus.
Ao verificar textos bíblicos, os joaninos, por exemplo, que abordam a ressureição, vamos visualizando que o momento e o modo da ressureição não são descritos, fazendo-nos pensar que essa questão é objeto da fé e que transcende a percepção humana sensível. O Ressuscitado, sim, manifesta corporal e gradualmente. Primeiro, com sinais de ausência, como o sepulcro vazio, lençóis e sudário abandonados, mensagem por terceiros. Depois, em figura e voz irreconhecíveis. Em seguida, com sua voz e com a figura de sempre, as marcas recentes da paixão, favorecendo compreensão de que se faz essencial identificar o Jesus vivo como o anterior ao ministério, como aquele que padeceu a morte na cruz.
Também é perceptível um progresso na fé. O que aconteceu? Crê o discípulo predileto, ou seja, aquele que entendeu o sentido da vida e da fé em Cristo ressuscitado, depois Maria, parece acionar seus órgãos de sentido (visão, audição, percepção) e, finalmente, o atrasado e teimoso São Tomé. Acreditou somente, porque viu?
As manifestações são acompanhadas de dons e encargos. O primeiro dom, o de Maria, ser mulher evangelista da ressurreição. A seus discípulos, o dom da paz, do seu Espírito e da missão. A Tomé, a bem-aventurança da fé. Vale salientar que a fé em Jesus, ressuscitado pelo Pai, não brotou de maneira natural e espontânea no coração dos discípulos. Antes de encontrar-se com Ele, cheio de vida, os evangelistas falaram de seu desconforto, sua busca em torno do sepulcro, suas interrogações e incertezas, como nos recorda José Antônio Pagola (2013) na obra “O caminho aberto por Jesus: João”.
Assim como se fez com os discípulos de Jesus, também hoje, a fé em Cristo ressuscitado não nasce em nós de forma espontânea, mesmo que, desde criança, acompanhamento espiritual de catequistas e pregadores tivesse sido processual e constante. Para abrir-nos à fé na ressurreição de Jesus, como vimos nos evangelhos, um mergulho à águas mais profundas, poderia ser essa necessária tentativa de construção do nosso próprio percurso. Tal decisão exige não esquecer Jesus, ao contrário, amá-lo com paixão e buscá-lo com todas as nossas forças em um mundo dos vivos e não dos mortos.
Segundo Lc 24, 5-6, está posto que “Aquele que vive deve ser buscado onde há vida. Porque buscais entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui. Ressuscitou […]”. É, realmente, parece fazer sentido essa ideia da vida e não de morte, como busca essencial do cristão, como se evidencia emoutras passagens bíblicas: “[…] oSenhor Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, o Deus de Jesus Cristo que o ressuscitou não é Deus de mortos, mas sim de vivos; todos, com efeito, vivem para ele […]” (LUCAS, 20, 37-38). Vida e morte se entrelaçam pela vida, fazendo-nos pensar: E nós, animadores e animadoras de comunidades, onde buscamos o Cristo ressuscitado e a quem/onde estamos conduzindo os batizados e batizadas a nós confiados?
A comunidade de fé é um dos lugares privilegiado de ressurreição. Por isso, a nova comunidade reunida, pelo crucificado-ressuscitado, é a expressão e o anúncio de uma nova e eterna aliança selada na nova Páscoa. Ela promove o perdão dos pecados para reconciliar o mundo com Cristo e expandir a mensagem da Boa-Nova a toda a humanidade. (Estudos daCNBB 104, 31.)
Em comunhão com toda a Diocese de Caetité, que, neste ano, dentro do Projeto Diocesano de Evangelização (2014-2016), está nos convidando a rezar e refletir o evangelho de Lucas, peçamos ao Cristo crucificado-ressuscitado que nos faça sair do comodismo e damesmice e que possamos responder verdadeiramente com palavras e obras quem é Jesus, fazendo de nossas comunidades uma igreja viva em missão, sendo capaz de sair de si mesma e de pregar o evangelho a toda criatura, para que todos tenham vida e vida em abundância (Jo 10,10).
Recomenda-nos o Papa Francisco, Exortação apostólica, A Alegria do Evangelho(2013): “[…] a tarefa da evangelização enriquece a mente e o coração, abre-nos horizontes espirituais, torna-nos mais sensíveis para reconhecer a ação do Espírito, faz-nos sair dos nossos esquemas espirituais limitados”.(A voz do Papa 198, 272).
No processo de aceite ao convite do Papa, surge, novamente, a questão: Mas afinal, o que é ressurreição?A resposta parece evidente para mim: “é crer verdadeiramente que somente em Cristo teremos vida eterna”. E para você, meu caro leitor (a)?
O evangelista João, ao descrever os sinais de Jesus,profere: “[…]esses sinais foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome […]” (cf. Jo 20,31). O Papa emérito Bento XVI, em sua obra Jesus de Nazaré (2011, p.218.247), vem reafirmar essa ideia de vida nova em Cristo: “[…] somente se Cristo ressuscitou aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda o mundo e a situação do ser humano. Então, Ele, Jesus, torna-se o critério no qual podemos fiar-nos, porque então Deus manifestou-se verdadeiramente […]”.
Se ouvirmos as testemunhas da ressurreição de Jesus com coração atento e nos abrirmos aos sinais com que o Senhor não cessa de autenticar as suas testemunhas e de atestar-se a si mesmo, então saberemos que Ele verdadeiramente ressuscitou. Ele é o vivente. A Ele, portanto, nos entregamos, sabendo que, assim, caminharemos pela estrada justa. Com Tomé, metamos a nossa mão no lado traspassado de Jesus e professemos: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28).
O sentido da ressurreição está em cada cristão batizado que vive e assumea dignidade de filho ou filha de Deus, porque a páscoa não é a celebração de um acontecimento do passado que, a cada ano, transcorre, ficando um pouco mais longe de nós. Crer em Jesus ressuscitado é saber escutar hoje, do mais profundo do nosso ser, estas palavras, conforme (Ap.1, 17-18): “[…] não tenhais medo, sou eu, aquele que vive. Estive morto, mas agora vivo pelos séculos dos séculos […]”.
Cristo ressuscitado vive agora infundindo em nós sua energia vital.O ressuscitado está conosco e em nós para sempre, porque só o Ressuscitado é Senhor da vida e da morte. Celebrar a ressurreição de Jesus é, assim, abrir-nos a energia vivificadora de Deus.
Depois de tantas considerações e tentativas, estas simples palavras sobre o sentido da ressurreição vêm como um pedido a Deus, para que vivifique as nossas comunidades, para que Ele abra as portas do coração, das nossas capelas, de nossas casas e que celebremos juntos a vitória de Cristo sobre a morte, tornando, de fato, em nossas comunidades o Domingo como o verdadeiro dia do Senhor e da comunidade reunida em nome Dele.
Celebrar a nossa páscoa na Páscoa de Cristo é entender a vida de maneira diferente. Intuir com alegria que o ressuscitado está aí, no meio de nossas pobres coisas, sustentando para sempre tudo que é bom, belo e puro que floresce em nós como promessa de infinito e que, no entanto, dissolve-se e morre sem ter chegado à sua plenitude. Celebrar a nossa páscoa na Páscoa de Cristo é entender que a Páscoa é a festa de todos nós que sabemos que somos mortais, mas que, da experiência que integra experiência, descobrimos em Cristo crucificado-ressuscitado a esperança de uma vida eterna. Uma santa a abençoada Páscoa a todos (as)!
*Pe. Sandro é Reitor do Seminário São José em Caetité -BA