14 de maio de 2023
DIOCESE

“Não tenho motivo algum para levar mágoas… só motivos de alegria”, disse Dom Ricardo em entrevista

Por Luan Ferreira/Pascom Diocese de Caetité

Em 2015, pouco antes de deixar a Diocese de Caetité, Dom Ricardo Guerrino Brusati deu entrevista para o jornal diocesano A CAMINHO, que havia a época retornado a circular a pedido do então bispo.

A edição de número 61, que englobava os meses de Agosto e Setembro de 2015, na página 4, trazia os sentimentos do bispo em relação a sua chegada e saída da diocese. Do Ricardo esteve durante 12 anos pastoreando nas terras sagradas do sertão. “Meu coração está em paz, não tenho motivo algum para levar mágoas ou descontentamentos; só motivos de alegria”, destacava o Bispo.

Dom Ricardo faleceu neste domingo, aos 78 anos, em Novara, na Itália. A gente reproduz, abaixo, a entrevista completa dada pelo bispo.


Dom Ricardo:
a fé nas misericórdias do Senhor!

Natural da cidade italiana Bellizango Novarese, de pouco mais de oito mil habitantes, Dom Ricardo Guerrino Brusati é o filho mais novo de uma família de oito irmãos. Em uma cidade em que todos os garotos se conheciam, com uma comunidade ativa na fé e tradições culturais, o menino Ricardo cresceu ouvindo os ensinamentos de seus pais e dos mais velhos e diz que, até hoje, trás consigo valores de sua família que, garante, necessita viver: “a liberdade, para não ser condicionado a ninguém, e a honestidade, que aprendi com meu pai desde pequenino”, declara.

Ordenado padre os 28 anos, Dom Ricardo trabalhou em duas paróquias na Itália. Chegou ao Brasil em 1982 e ainda pegou o período em que o país vivia a ditadura militar. A Diocese de Paulo Afonso foi sua primeira casa, acolhido pelo bispo Dom Aloysio José Leal Penna SJ, quem mais tarde, junto com Dom Renato Corti e Dom Antônio Alberto faria sua ordenação episcopal em Caetité, em fevereiro de 2003.

Dom Ricardo foi nomeado bispo da Diocese de Caetité pelo Papa João Paulo II, e escolheu o versículo primeiro do salmo 89 como seu lema episcopal: “Cantarei para sempre a misericórdia do Senhor”. “Na minha vida eu sempre encontrei pessoas de bem que me ajudaram, e senti em todos os lugares, desde quando estava na Itália, que a bondade de Deus se manifesta em tantas pessoas que ajudam, que participam, que sonham e tem a esperança, que não desistem”, justifica a escolha de seu lema.

Caetité era desconhecida de Dom Ricardo. Sua referencia mais próxima da cidade foi Dom Antônio Alberto, que conheceu em encontros de bispos na cidade de Salvador quando, por duas vezes, foi escolhido como administrador diocesano. “Era tudo surpresa. Quando chegou a carta do Papa me indicando para Caetité eu não sabia onde ficava Caetité. Sabia que era na Bahia, mas não sabia aonde. Nunca tinha vindo por aqui.”, conta Ricardo. Como em Paulo Afonso, padres conterrâneos o ajudaram: “Chegando aqui, encontrei padres italianos que fazia tempo estavam aqui na Diocese, e me facilitaram a acolhida”, pontua.

Dom Ricardo conta que não teve medo de se mudar para Caetité e assumir a Diocese, mas assume que o tamanho desta Igreja particular, a principio, lhe assustava: “O que me impressionava em Caetité era a dimensão da Diocese. São 42 mil quilômetros quadrados, 35 municípios que eu como pastor deveria visitar”, conta.

Nos 12 anos que esteve à frente da Diocese de Caetité, Dom Ricardo ordenou 19 padres. Deu seu apoio aos seminaristas em Caetité e em Belo Horizonte, manteve a união dos padres e incentivo às obras sociais pastorais nas paróquias. Realizou o primeiro centenário da Diocese e implantou o Projeto Diocesano de Evangelização, refletindo e aprofundando nos evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João. Apoiou e incentivou a organização e formação dos leigos na Diocese.

O notícia de sua transferência da Diocese de Caetité para a de Janaúba, Minas Gerais, lhe chegou numa manhã de segunda-feira, 13 de abriu. Um dia que, segundo ele, está marcado em sua vida:

“Está na memória, porque não vou esquecer nunca. 13 de abriu, às nove e meia da manhã, Lia, a secretária de Dom Alberto me telefona dizendo que ele havia sido internado na UTI em estado grave. Tinha tido um AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Passou uma hora mais ou menos, o Núncio me chama: oi Dom Ricardo, o Papa decidiu. Decidiu o quê, perguntei. Para onde você vai, ele respondeu. E qual é o meu destino? perguntei depois de alguns segundos. A Diocese de Janaúba. Foi assim. Uma e meia da tarde Lia telefonou informando que Dom Alberto tinha terminado de viver e havia entrado na glória de Deus”, contou como se revivesse esse dia 13. “Tinha que organizar as coisas para o funeral e minha mente estava em Brasília dizendo: por que no mesmo momento que Dom Alberto morreu Deus me chama pra outra Diocese? Foi pra dizer: são dois bispos que terminam no mesmo dia de acompanhar o povo de Caetité”.

Dom Ricardo viveu os dias de funeral de Dom Alberto com a notícia de sua transferência sem poder compartilhar com ninguém até o anuncio oficial. Deu seu sim, dois dias depois: “se Deus quer, se o Papa quer, eu vou à Janaúba”. Pediu para que sua nomeação acontecesse em maio, para que pudesse participar, pela última vez como bispo da Diocese, dos festejos da padroeira Senhora Santana.

Jeito simples, palavras descomplicadas, Dom Ricardo, ao avaliar sua estadia em Caetité, atribuiu suas alegrias aos momentos em que viveu ao lado da comunidade e esteve com o povo durante seus momentos pastorais: “das minhas alegrias, estar perto da comunidade e ajudar na formação dos cristãos, dos seminaristas e a ordenação de 19 padres para nossa Diocese; das minhas tristezas, como pastor, como pai de família, foi quando cinco padres da nossa Diocese deixaram o ministério, as vezes de um modo dolorido. Não tenho mágoas no coração. Tentei não machucar ninguém”, completou.

De malas prontas – que não eram muitas, – com os livros encaixotados, Dom Ricardo fez pela última vez aquilo que foi seu roteiro diário durante os últimos doze anos na Diocese de Caetité: no dia 31 de julho entrou na capela do Santíssimo que fica aberta durante todo o dia, e por onde inúmeras pessoas passam fazendo suas orações, agradecimentos e intercedendo pelos seus. Diante de Jesus Sacramentado, onde rezou seu terço de todas as noites antes de dormi, lembrando o nome de 40 padres e dez congregações de irmãs – “50 Avemarias certinhas”, – agradeceu a Nossa Senhora pela perseverança e generosidade dos padres, irmãs e de todos os líderes de comunidades.