A posse do novo Bispo de Caetité ocorreu em junho de 1970. A sociedade tumultuada dos anos sessenta viu nascer o governo ditatorial dos generais. Entre 1968 e 1978, o país foi palco de lutas silenciosas, tortura, assassinatos, exílios, censura em todos os níveis. Os “anos de chumbo” trazem a marca do silêncio pela opressão institucionalizada pelo AI-5. Em 1942, durante outra ditadura e durante a Segunda Grande Guerra. Drummond publica um poema que responde pela dor do silenciamento que as ditaduras costumam impor:
E agora, José?
A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e
agora, Você?
Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos, que ama,
protesta? e agora, José?
Dom Silvério assumiu o bispado caetiteense em meio a muitos “Josés”, conscientes ou não de sua condição. A Igreja Católica foi um foco de resistência aos desmandos da ditadura militar: sua ação junto a populares foi bastante relevante. Para Skidmore (1988, p.362), a Igreja precisou reagir contra a violência que atingia os leigos e o clero. Enquanto Instituição, a Igreja podia marcar posição, mobilizando seus membros espalhados pelo Brasil.
Os fatos nos remetem a época de formação Universitária, especificamente das lembranças estudantis, na Universidade Católica, a Santa Úrsula, os professores de Teologia que tentavam reagir sutilmente à opressão. Situações do momento, como a demolição simbólica e física do prédio da UNE, na Praia do Flamengo, Rio de Janeiro. A perda dos colegas de faculdade. Mais urna vez, a ação dos Padres foi fundamental: sua atuação Cristã e política nos deu muita esperança.
Essa firmeza de propósitos, como demonstrava D. Silvério, tem marcas positivas, apesar das perseguições do momento em que muitas e muitas eram as situações de morte e de prisão por questões políticas: “[…] de porta cm porta pedindo ajuda. A D Luciano Mendes de Almeida, a quem fui recomendada pelo padre Dionísio, ao cardeal D. Paulo Evaristo Arns […]” (LIMA, 2010, p. 160). Da época, a necessidade de que pessoas e instituições influentes conseguissem dar apoio aos que se encontravam oprimidos.
Do ponto de vista pessoal, no entanto, a vinda de D. Silvério, para a Diocese de Caetité, permitiu aproximar-se um pouco mais de sua família: Dona Laura e Any estariam com ele. O novo Bispo tinha uma herança difícil: D. José Pedro Costa, seu antecessor, era extremamente querido pela população caetiteense, pois havia desenvolvido um trabalho sólido tanto no campo religioso, quanto no social.
O perfil de D. Silvério divergia um pouco do perfil do antigo Bispo. Humilde, discreto, silencioso, extremamente zeloso das “coisas de Deus”, O novo Bispo tinha muita dificuldade para compreender a excessiva laicização das práticas da Fé que então se anunciava e que se fazia realidade.
O lema de seu bispado foi Sentire cum Ecclesia. E ele buscou sentir a Igreja e a comunidade. Estudou a história de Caetité, admirou-se com seus filhos ilustres, mas estranhou muito as práticas culturais locais.
A Festa de Santana, em Caetité, sempre foi muito conhecida na região. Momento de peregrinação e de celebração de Fé, também se constituiu festa profana, com a realização de shows, barracas vendendo bebidas alcoólicas, etc.
Para Dom Silvério isso era indemissível. Ele começou a perceber que a Igreja estava perdendo espaço. Durante a entrevista concedida, ele e Any quiseram saber como estava sendo realizada hoje a Festa de Santana. Os detalhes foram relatados, tentando enfatizar a parte religiosa, mas, mesmo nonagenário, ele entendeu que a convivência entre o Sagrado e o profano estava muito próxima.
E essa percepção o fez falar sobre o Seminário. Durante seu bispado, não havia seminaristas, a carência de religiosos era grande. Esse foi mais um sinal de fragilização da Igreja que o deixou muito preocupado. Envidou muitos esforços para o estabelecimento e o fortalecimento do Seminário em Caetité, mas foi transferido antes de o ver em pleno funcionamento.
Outra informação pedida por ele diz respeito ao Hospital. Dom José Pedro Costa tentara de todas as formas liquidar dívidas, mas Dom Silvério se viu diante de uma situação financeira dificílima. A partir de contatos com a Miseror, entidade católica alemã, conseguiu um carro para transportar os doentes e algumas Irmãs chegaram para ajudá-lo.
Viajou à Alemanha e conseguiu, através de seus confrades, ajuda para solucionar os problemas do Hospital. D. Silvério, apesar das dificuldades, estava conseguindo contribuir positivamente com a Diocese de Caetité. Ele quis saber como estava hoje o Hospital e Maternidade Santana de Caetité. Ele foi informado que já não era responsabilidade da Igreja.
Para os que conviviam com ele, os que o conheciam de forma mais pessoal, fortes eram os elogios a ele dispensados, considerando-o de grande dedicação à religião e um bom orador sacro que muito contagiou os que o apreciaram. Para outros, ao que se evidencia, consideraram-no afastado e silencioso com as questões do povo.
Isso pode acontecer com aqueles que tecem suas teias cotidianas no silêncio e na discrição. Em dois anos, D. Silvério cuidou do povo, sim. Ele deu ao povo um Hospital sem dívidas. E deu ao povo católico, novos religiosos. Cuidou do corpo e da alma.
Seu nome é Jarbas Paulo de Albuquerque, nascido em Olinda- Pe, no dia 11 de março de 1917. De família humilde, a mãe D. Laura, uma prendada costureira e o pai, Seu Artur, delegado de polícia, foi coroinha na Igreja de são Francisco. Estudou no colégio dos Maristas, depois no Colégio Seráfico, João Pessoa e ai aprendeu a falar alemão e foi levado pelos franciscanos a fazer o curso clássico na Alemanha.
Aprendeu francês, grego e latim e, com o anúncio da Segunda Guerra, volta para Olinda, dando em seguida continuidade cm seus estudos em Serianhénn, interior de Pernambuco. Mais tarde cm Pesqueira, cursou filosofia em Pernambuco e teologia em Salvador, em 29 de junho de 1940, fez a profissão perpétua, perdeu o nome de batismo e passou a chamar-se frei Silvério, após a ordenação em Salvador, foi celebrar em Olinda, conforme a tradição sua primeira missa.
Um dia, pela manhã, estando em Olinda, recebeu um telegrama de D. Eugênio Salles, cardeal arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, para que fosse dois dias depois ao aeroporto de Guararapes, para encontrar o Núncio Apostólico. Sua excelência saltou do avião e o frei Silvério o esperava trêmulo. O Núncio não perdeu muito tempo, anunciou estar comunicando seu nome ao Vaticano, para a nomeação como bispo da Diocese de Caetité.
Para a sua posse, a Catedral de Santana ficou lotada. Toda essa gente que compareceu estava disposta a prestigiar e aplaudir e Dom Silvério ficou cativado pela generosidade daquela gente.
Logo, nos primeiros dias, provou ser um experiente administrador e passou a tomar conhecimento das atividades administrativas, querendo estudar e identificar as dificuldades, planejar como enfrentá-las, conhecer a sociedade e história da cidade. Enquanto isso, muitas mensagens chegavam pela rádio dando boas-vindas ao novo bispo.
Um dos grandes problemas identificados por ele, na Diocese, era a carência de religiosos que, aos poucos, apresentava soluções; da Província, conseguiu que viesse um franciscano para ajudá-lo e algumas irmãs para ampliar o número junto com as que aqui já se encontravam, para contribuírem com as paróquias vagas e no trabalho do hospital. Com a colaboração da Miseror, adquiriu uma Kombi para o transporte de pacientes, trazidos do interior, e fez a compra de outros objetos indispensáveis ao bom trabalho. De acordo com Neves (entrevistado em 23.01.2013), Frei Afonso e Ir. Jerusa auxiliaram D. Silvério nos trabalhos de evangelização da Diocese.
Com menos de dois anos de bispado, conseguiu uma visita a Roma e esteve com o Papa Paulo VI; sua viagem à Europa foi bastante frutífera, Conseguindo sanar os principais problemas financeiros da Diocese.
D. Silvério demonstrou um carinho especial por Caetité. A cidade simpática e agradável tinha-o conquistado, e ele sabia corresponder a isso. Visitou muitas cidades da Diocese de Caetité e, ao ser transferido para Ferira de Santana, embora não fosse essa a sua vontade, aceitou o ato, reconhecendo nele o traçado do Pai. Curiosamente, permaneceu sob as bênçãos de Santana, também padroeira daquela arquidiocese.
Mesmo que não tenha tido um trânsito social muito visível, Dom Silvério plantou boas sementes em Caetité e deixou saudade. Talvez, se não tivesse enfrentado tantas questões complexas, como essa agitação política do período da história do Brasil e a local, na época do seu bispado, pudesse ter sido mais envolvido com as experiências do povo do alto sertão baiano, uma vez que os diocesanos necessitavam de uma voz profética pela união da fé com a vida. Dom Silvério faleceu em 28 de maio de 2013, aos 96 anos, na cidade de Feira de Santana.